05 novembro, 2005

Exercícios práticos para exorcizar a dor

O coração é o vaso da dor; pode guarda-la durante algum tempo, mas inexoravelmente, depois oferece-a num instante. E é então um cálice que todo o ser da pessoa tem que sorver. E se o faz lentamente com impavidez necessária, ao difundir-se pelas diversas zonas do ser começa a circular com a dor, a ela misturada, nela, a razão.
O risco tantas vezes verificado da “impassibilidade” que, de tão longe e tão alto, se deixou estabelecido que é indispensável ao exercício do conhecimento racional, é o de impedir que a razão seja descoberta, primeiramente na dor, unida a ela, e como engendrada ou revelada ao menos por ela. Que a dor seja um facto quase acidental. Que a dor não tenha nem essência, que seja um estado iniludível, mas que não tenha nem essência nem substância, razão alguma. Que não possa senão estar aí sem circular. E, ao não circular, não poder na verdade, de verdade, ser assimilada.
Maria Zambrano - «Clareiras do Bosque»

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